terça-feira, 1 de junho de 2010

Tudo se perde com um fragmento de kryptonita

Reflexões sobre a peça Cuidado: Frágil da Cia. da Farsa por Caroline de Melo Lopes

Kal-el fez uma grande viagem para chegar ao planeta Terrra e tornar-se super. Cada um de nós, ao nascer, inicia sua viagem. Também queremos ser super: superamigos, superirmãos, superprofissionais, supermães, supercompanheiros, superamados, superouvidos, super-reconhecidos...Ao contrário das partidas convencionais, nossa viagem começa com a mala vazia. Ao longo da caminhada, nossa trouxinha vai enchendo-se de episódios felizes ou traumáticos, conquistas e fracassos, memórias que queremos guardar e as que queremos apagar, mas que insistem em permanecer na bagagem. Volta e meia, abrimos a mala. Tem quem não o faça. Seguem viagem sem refletir para onde vão, quem são, ou onde querem chegar. Esses têm muito potencial para tornarem-se amargos e desagradáveis. Compreende-se a decisão de não olhar. A parada é, muitas vezes, dolorosa. Abrir nossa trouxa, nem que seja somente para uma rápida olhadinha na roupa suja, é um exercício que exige a coragem de heróis. Lavar a roupa já é outra história. Mas, parar, olhar e refletir é um bom começo. Nessa viagem, que sabemos ter fim, precisamos ser fortes. Contudo, ser forte não significa ser duro. Ser forte, sobretudo, é reconhecer nossa fragilidade, que erramos muito, quase sempre. “Tudo se perde com um fragmento de kryptonita”. Somos frágeis. Kal-el, o super, não podia com uma lasquinha do elemento que minava seus poderes. E os nossos poderes? Já parou para pensar qual é a sua kryptonita? O que o torna frágil? O que diminui sua força? Ou quem tem diminuído sua força? Nessa jornada, roda-gigante que gira, mesmo quando queremos saltar, as opções de final são muitas. Tem quem não suporta o peso de sua própria bagagem e toma a decisão de encerrar a viagem, antes de cumprir todo o roteiro. “Sexo, crochê e bicicleta”. Outros decidem encerrar a viagem alheia. “Rosas e sangue”. Há quem segue com brio e avante, mesmo tendo sido achincalhado, chutado, humilhado, terminando sua história na posição clássica do super-homem, que de braço erguido, inicia o voo. Nobilíssimo vira-lata, não sabe que nós, gigantes, somos pequenos demais? Fazemos-nos de grandes e nos perdemos na pequeneza da hipocrisia em que nos afogamos, principalmente, quando não conseguimos olhar para trás. Somos feras feridas, anjos tortos. Você, nobre cão, é mais herói que os heróis com roupas engraçadas que encontrou nos gibis. Você sobreviveu aos gigantes. Muitos deles, como você, vivem de restos. Restos de amor, restos de esperança, restos de saudade de tempos em que havia sonhos, restos que, dentro do guarda-roupa do eu, significam a tábua de salvação. Ah! Quem vos escreve fala muito e não gosta de Beatles, o que, sob o ponto de vista de um certo surdo, pode não ser confiável. Mas, concordo com a letra de Across the Universe, “Nothing`s gonna change my world” (Nada vai mudar meu mundo). Somente eu tenho esse superpoder. Sou dona do meu destino, da minha viagem, da minha bagagem...E posso sempre mudar a direção da minha rosa dos ventos, bússola de sonhos, pois sou eu quem constrói meu cenário. Quem sabe agora não seja um bom momento para abrir sua mala e reorganizar o roteiro da sua própria viagem, olhando de frente para a kryptonita que te paralisa e encarando a menina rosadinha que de dedo em riste insiste em te ridicularizar? Se agora não for bom para você, aproveite a próxima tempestade, escute (ou sinta) a chuva cair, entre no seu próprio guarda-roupa, desfaça-se do excesso de carga, despido da culpa que não te pertence, desnudado de preconceitos, liberte-se! Não, não precisa levar um inalador. Leve apenas a sua consciência. Talvez seja a hora de usar aquele vestido vermelho...

Parabéns pelo texto, pela montagem harmoniosa, pela sensibilidade. Bela trilha sonora, bela iluminação, bela possibilidade de reflexão.

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